Instalações radioativas: legado da ditadura segue produzindo contaminação com urânio em Minas
O cenário lembra um campo de guerra abandonado, mas pode lembrar também uma área devastada por algum evento fora do controle. Com minas, bacias de rejeitos radioativos, demolições de prédios, depósitos com estoques de tambores com Torta II (urânio e tório), nuvens de poeira, árvores cortadas ao longo do caminho, fazem parte da história nuclear brasileira dos tempos sombrios da ditadura .
Tudo começou na década de 70, quando o governo decidiu explorar a primeira mina de urânio brasileira no Planalto de Poços de Caldas, Sul de Minas Gerais. As promessas de emprego e progresso levaram centenas, talvez milhares de trabalhadores ao local, hoje conhecido como “Cava da Mina”.
Sem compradores para o urânio, o projeto ambicioso ficou economicamente inviável. Assim, o governo encerrou as atividades da mina nos idos de 1982. Quantos operários se contaminaram com radiação? São alguns dos segredos guardados até hoje.
URÂNIO SEM SOLUÇÃO
A convite da Associação Poços Sustentável (APS), agendada pelo coordenador, o advogado José Edilberto Resende, participamos da visita ao local batizado de Unidade de Descomissionamento de Caldas (UDC), na segunda-feira (4/9), na região que pertence a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), do Ministério de Minas e Energia (MME). Desde a semana passada o presidente da INB é o funcionário antigo da instalação em Caldas, Adauto Seixas, que conhece bem o problema.
O passivo ambiental é inimaginável, porque não há como dimensionar até que ponto haverá uma solução para a UDC. As bacias de contenção, por exemplo, não estão retendo mais o urânio, que está migrando para a Bacia de Águas Claras. O gerente da instalação, João Viçozo, confirmou a existência de urânio no local. “Vamos contratar uma empresa para remover o urânio de Águas Claras”, anunciou. Na UDC, serão investidos R$ 190 milhões nos próximos 10 anos, anunciou também. Numa sala da UDC, com uma máquina xerox com defeito, Viçozo apresentava as informações em slides. Nas imediações há plantações de rosas, tomates, laranjas e batatas, segundo ele, sem riscos de contaminação. Os moradores são “bem informados” sobre a possibilidade de as “formigas” poderem atrapalhar as barragens. Não seria o contrário? E no dia da visita a estação de tratamento de efluentes estava em manutenção, enquanto o Ribeirão das Antas (bem próximo) afluente do Rio Grande, recebia as águas oriundas da drenagem ácida. Outro capítulo do passivo ambiental.
EUA – CANADÁ – CHINA
Dos 19 mil tambores com Torta II, ele disse que faltam 482 para serem reembaladas, o que deverá ocorrer nos próximos cinco dias. “Americanos (norte-americanos) e canadenses querem comprar antes dos chineses”, comentou Viçozo. Ao mesmo tempo informou que uma empresa deverá ser contratada para construir outro galpão.
Vale lembrar que toda a Torta II armazenada nos galpões de Caldas tem origem paulista: é fruto do desmonte da empresa Orquima, sucedida pela Usina de Santa Amaro (USAM), da Nuclemon, no bairro do Brooklim. Durante décadas, na calada da noite, operários da USAM eram usados para transportar o material radioativo pelas estradas até Caldas.
APRIMORAMENTO DO MODELO
A elaboração do projeto conceitual para a construção da nova estação de tratamento, cuja previsão de término é outubro deste ano, e contratos realizados com o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) para “aprimoramento do modelo hidrogeológico, a melhoria das condições da instalação, com demolição de 12 edificações que estavam sem uso”, também foi apresentada.
Mas nada se compara ao impacto produzido diante da visualização das imagens dos prédios sendo demolidos, dos tambores ao lado de sacos de areia abertos. Nesse caso, por exemplo, fizemos fotos sem sair do carro, com o alerta de que poderíamos receber doses de radiação. Seguimos por diversos pontos da Unidade, entre eles a Barragem de Rejeitos, Cava da Mina e a Barragem D4, instalações que o governo da ditadura deixou como legado.
AGRADECIMENTOS
FOTOS e MATÉRIA – BLOG TANIA MALHEIROS
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