Sursis – pela suspensão das hostilidades
Atualizado em 11/08/2025
Uma questão seria o pano de fundo deste artigo: por qual razão os povos de tradição Árabe, hoje, estariam culturalmentemenos desenvolvidos que na Idade Média? Quando se destacaram como os mais avançados desse período? Especialmente no que tange ao exercício da ciência, da técnica, da tolerância religiosa,da literatura e dos direitos de minorias estrangeiras, hoje sistematicamente perseguidas nesses países?
Mesmo os imensos recursos, advindos da exploração petrolífera, e o desenvolvimento econômico correspondente, não teriam alterado importantes tradições, regimes ou costumes conservadores, reacionários até, dos países islâmicos, em geral. Por que? Ainda que estejamos numa época onde as tecnologias da informação, entre outras, estejam acessíveis,não se vê alterações essenciais, nessas sociedades. Até mesmo seitas terroristas, como a dos “Assassinos” (sécs. XII e XIII), prevaleceram sob outras formas. Haveria explicação? Eis o busílis.
Este artigoserá transparente no que se refere às suas fontes. São utilizados vários trabalhos acadêmicos, das áreas da história e da antropologia, obras de amplo conhecimento e textos literários, além da boa e velha imprensa diária. Seriam eles “Sapiens”, de YuvalHararie“Armas germes e aço” (Prêmio Pulitzer), de Jared Diamond. Obras clássicas seminais, do nível de “Antigo Oriente”, de Mario Liverani (Edusp), “Uma história dos povos árabes”, de Albert Hourani (Companhia das Letras), “As cruzadas vistas pelos árabes”, de Amim Maalouf, amplamente premiado (Brasiliense) e “A civilização árabe”, de Gustave Le Bom, em três volumes (Paraná Cultural). Finalmente, “As mil e uma noites”, na versão clássica de Antoine Galland, em dois volumes (Ediouro).
No período do apogeu da cultura árabe, a Europa vivia seu momento mais sombrio: a Idade Média, ou “idade das trevas” para muitos. A tradição greco-romana havia se perdido e o Feudalismo medieval apequenou todo o Continente. Nesse tempo, os árabes não apenas dominaram parte do Continente europeu. Se apropriaram dessa tradição clássica, como também a protegeram dos bárbaros, divulgaram e desenvolveram, criando as bases da ciência moderna. Afirmou Maalouf no Epílogo de sua obra: “A herança da civilização grega teria sido transmitida à Europa Ocidental apenas por intermédio dos árabes, tradutores e continuadores. Na medicina, astronomia, química, geografia, matemática, arquitetura…”. Acrescente-se a isso os conhecimentos farmacêuticos, a metalurgia, a álgebra, o cálculo avançado, os próprios números e a aritmética, além de técnicas de navegação, que vieram a facilitar a Era dos Descobrimentos. Por qual razão os árabes teriam abandonado seu próprio legado e chafurdado no fundamentalismo religioso?Selando seu atraso em todas essas searas, onde foram pioneiros, desenvolvedores ou fundadores?
Maaluf acrescenta que os europeus aprenderam com os árabes, durante as Cruzadas, e no período em que o Islã chegou a dominar a Península Ibérica(ameaçando até o território da hoje França, entre outros).Os cruzados conheceram a língua árabe. Adotaram seus ensinamentos. A ponto de naturalizarem toda a ciência desenvolvida pelos árabes como se fosse sua. Por alguma razão, quando a Europa se ‘arabizou’ cientificamente, o Islã passou a rejeitar o desenvolvimento de seu próprio legado, como se fossem práticas e conhecimentos do invasor europeu, então expulso de suas terras. A serem rejeitadas, pois conspurcariam a natureza do Islã. Uma inversão equivocada.
Há um exemplo simples da engenhosidade Árabe (entre dezenas de outros), adotado mundialmente, do tipo que jamais foi substituído: uma engrenagem, denominada “volante do motor”, utilizada até hoje para equilibrar a tração mecânica. Essa tecnologia, baseada nas lições da física aplicada, foi desenvolvida na Andaluzia árabe, hoje Espanha. Funcionava, então, para equalizar a tração dos moinhos de vento, ou de água, sujeitos a desequilíbrios no seu empuxo cinético. Não inventaram, até hoje, uma solução melhor. Todos os automóveis, caminhões, embarcações, etc., trazem um dispositivo desse tipo. Baseado no mesmo conceito científico.
Registre-se que, como a vitória Árabe, diante do invasor cristão, deu-se a partir dos fundamentos da união do Islã, a religião passou a ser o centro de referência. Não só dos povos árabes, como também dos persas, curdos, otomanos, egípcios entre outros praticantes do islamismo. Para o imaginário islâmico, segundo parte da literatura, as Cruzadas ainda não teriam terminado e a presença de Israel seria assimilada, popularmente, como um “Estado Cruzado” (ou seu preposto).Mais um ponto de cisão entre Ocidente e Oriente Médio,segundo a leitura de Maalouf.
Israel seria um invasor, representando os “cruzados”, naquele território. E essa seria outra razão para a rejeição de usos, costumes, valores e sistemas ocidentais. E por outro lado, fator de aproximação do Islã com países antípodas do Ocidente. Inimigos do Estado de Direito e da democracia liberal de tipo ocidental.Caberia lembrar que quando o turco Ali Agca tentou assassinar o Papa João Paulo II, referiu-se à sua vítima como o “chefe dos cruzados”. Isso no final do século XX. Há que se mencionar, como complicador, as ações colonialistas dos ocidentais, em todo o Oriente Médio e na África, nos tempos modernos. Tudo que “cheirava” a ocidente seria suspeito, então.
Outro ponto de afastamento seria a defesa intransigente de Israel, por parte do Ocidente, apoiando a invasão de territórios e massacres perpetrados contra as populações palestinas, até hoje. Isso causaria desconforto e mágoa. Os doutos, por sua vez, não compreendem o destaque dado à cultura judia e o desprezo ocidental aos usos, tradições e costumes árabes. E sua contribuição para com o Ocidente.
Segundo Liverani (cap. XXIII), o caso de Israel seria peculiar entre os vários povos do Antigo Oriente. Suas tradições historiográficas foram sempre preservadas no âmbito religioso. Não fossem os textos antigo-testamentários, as contribuições arqueológicas de Israel, bastante modestas, não teriam relevância diante de culturascomo a assíria, hitita, fenícia, egípcia ou suméria, suas contemporâneas nesse período. Israel seria, sobretudo, uma construção ideológica e religiosa, que pouco teria contribuído do ponto de vista histórico ou civilizatório. A adoração de denominações religiosas, principalmente evangélicas, pelos judeus, não teria qualquer fundamento históricoou factual. Denotam, sobretudo, sua ignorância generalizada e seu apego ao fundamentalismo bíblico – ao adotarem a segregação israelita, que os coloca como “povo eleito de Deus”. Os melhores, entre todos os demais. Uma “superioridade” típica atribuída a“arianos”, de outros tempos.
Finalmente, o que parece ser o principal fator do atraso cultural árabe seria o tratamento dispensado às suas mulheres, e às suas demonstrações preconceituosas, em geral, com suas consequências estruturais. Derivadas de valores antigos e disfuncionais.Para a compreensão desse fenômeno, “As mil e uma noites” seriam fundamentais.
A versão das “Mil e uma noites”, de Gallant, obra monumental em dois grandes volumes, não seria apenas formada por histórias mágicas, populares há séculos no imaginário árabe, conhecidas mundo afora. Seria um guia de referências. Seu equivalente japonês, por exemplo, seria “Musashi” (uma história de samurais). O livro mais vendido na história do Japão e teria o mesmo efeito de “As mil e uma noites”: uma descrição grandiloquentedos feitos e crenças de um passado glorioso de uma cultura – que não existe mais. Mas que calaria fundo no imaginário dos envolvidos, conformando uma certa unidade de valores e condutas.
Nas “Mil e uma noites”, Sherazade, heroína e narradora, enfrenta um Sultão misógino, assassino de mulheres, traumatizado por ter sido “corneado” pela antiga Sultana. Adotou, como prática, casar-se e,após as núpcias, assassinar a esposa, de modo a evitar um eventual “chifre” futuro. Um horror. Nessa obra, Sherazade, a próxima vítima, vai contando histórias variadas, que começam após o sexo e vão até o Sultão pegar no sono. No dia seguinte, Sherazade conclui a história do dia anterior e começa outra, que também deixa o epílogo para depois, e por aí vai por mil e uma noites…
O que releva, nesse caso, seria que em meio às fantasias do marinheiro Simbad, do Gênio da lâmpada e de Ali Baba, entre muitas outras histórias e maravilhas, desfia-se um festival de preconceitos e misoginias de toda ordem, envolvendo os indefectíveis eunucos, gênios tarados (bem-dotados), haréns corrompidos, surubas pervertidas e afins. A supressão das mulheres (e de algumas minorias), de seus direitos, de seus encantos, de seus saberes – e sua redução a potenciais traidoras vadias – é antiga, no universo islâmico. E fez com que a cultura árabe, assim perpassada, abrisse mão do talento feminino, por pura e infundada desconfiança. A exemplo do episódio bíblico de Eva com a serpente. Formando estúpidos e idiotas, criados por mães ignorantes, intimidadas e analfabetas. Sem qualquer brilho. Os filhos do medo, do preconceito e da violência doméstica. Tudo isso sancionado pela religião.
Os árabes abriram mão do talento de 50% de sua população e comprometeram a criação de 100% de seus filhos.
Estaria aí o principal fundamento do atraso:os islâmicos, em geral,perderam, ao longo dos séculos, o imprescindível “toque feminino”, no livre exercício da vida civil, acadêmica, no mercado de trabalho e na criação dos filhos, que se revela das mais variadas formas. Uma tragédia de longo prazo. Que paguem o preço, então.
Marco Antônio Andere Teixeira/ julho de 2025.
Historiador, Advogado e Cientista Político.
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